quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Primeiro encontro

Só pude entrar na UTI para conhecer você no dia seguinte ao parto. Até então a notícia que tinha era que era pequena, mas respirava bem. Por trabalhar na área já conhecia este universo mas viver o outro lado é diferente filha, senti muito medo dessa palavra: UTI. Fomos apresentados a rotina da paramentação e caminhamos por um corredor de vidro onde podíamos ver mamães e papais quietos, que tinham olhos somente para seus bebês. Você estava na última sala, sala 1, logo ficamos sabendo que lá estavam os bebês mais graves. Chegando ao lado da incubadora perdi o chão, já não a via mais, com os olhos alagados, abracei seu pai e não consegui fazer nada além de chorar. Você estava com acessos venosos em cada braço e perna, com um aparelho chamado Cepap, com entrada em cada narina, que jogava oxigênio para ajudá-la a respirar e com uma sonda pela qual era alimentada, além da nutrição parenteral. A primeira vez que a vi, filha, foi cena mais chocante que lembro já ter visto em minha vida. Passado o susto, logo entramos na rotina, conhecemos outros papais e mamães que nos explicaram como tudo acontecia e ajudaram a colocar nossos pés no chão. Foram anjos que nos fizeram forte! Quando não sabia se conseguiria, ouvi palavras de força e consolo.
Os demais dias se seguiram entre piccs, catéteres, sondas, apnéias, infecções, antibióticos, problema no coração, sopro, forame oval, possibilidade iminente de cirurgia, quedas de saturação, vômitos, bipes, alarmes, e tantos outros que nos atordoavam, então as primeiras 72 horas cruciais logo se passaram. Sentia-me anestesiada, não conseguia pensar ou reclamar, somente pedia a Deus, em cada minuto, pedia a Deus pela sua vida. No terceiro dia um bebê da sua sala foi a óbito. Resolvi naquele momento que não fraquejaria, que concentraria todas as minhas forças para que nossa cria vingasse, mas no dia da minha alta chorei, estava indo para casa e deixando você, meu sonho, para outras pessoas cuidarem, na verdade você ainda não era minha.

Logo no dia seguinte fui presenteada com o consolo de segurá-la pela primeira vez, fizemos mamãe canguru, pude sentí-la, seu cheirinho, seu calor, tornei-me um pouco mais mãe. E foi assim, sem faltar em uma ordenha ou visita, estava lá todos os dias, das 7:30 às 22h; me esforçando para ordenhar seu leite cru. E pedindo a Deus em cada segundo durante a visita: Jesus segure a mão de nossa pequena, tu que nos deu, ela pertence a Ti. Envie teus anjos para niná-la, alimenta com teu santo maná. Cuide pois não podemos cuidá-la. Por vezes cantarolava: "Aflito e triste coração, Deus cuidará de ti, por ti ópera a tua mão, e cuidará de ti. Deus cuidará de ti e em cada dia proverá. Sim cuidará de ti. Deus cuidará de ti." Não sei ao certo se cantava para você, Sarah, ou para mim mesma. E ao final das visitas, todas as vezes que cruzavamos a porta de vidro da UTI abençoavamos os bebês, pedindo a Deus pela vida de cada um que ali estava, tornou-se um hábito que nos fez crescer. Na sala de ordenha fiz grandes amigas, que me consolaram sempre que eu pensava em desistir de amamentar. Que me contaram suas histórias, tantas vezes piores que a nossa. Mas a hora mais divertida, era sem dúvida os finais de tarde, enquanto esperávamos a visita da noite. Uma reunião de pais de UTI que esqueciam o sofrimento para dar boas e revigorantes gargalhadas. Quem por ali passava não entendia o motivo de tanta alegria. Pensando agora, acho que nem mesmo nós pais entendíamos.

Com o passar dos dias os progressos foram aparecendo, o 1ml de leitinho por sonda já se tornara 11ml, 17ml. Mudamos se sala, você foi desmamada do oxigênio e iniciamos as tentativas de amamentação. Logo já estava com 20ml no copinho e o peso aumentando. Qual não foi nossa surpresa quando chegamos para a visita e a médica maravilhosa nos pediu para preparar suas roupinhas. Foi então trasferida para o berçário, onde aprendeu a mamar, sacou a sonda, completou 2kg e depois de 33 dias de UTI estava prontinha para alta. Só neste dia Sarah, você foi nossa!
Completos 33 dias de Uti, após comemorar cada grama engordada, cada mamada com mais de 5 minutos, cada obstáculo vencido pelos bebês vizinhos, aprendemos a valorizar os pormenores, a caminhar com passos de formiga. Aprendemos a ignorar aqueles que foram, um dia, os males maiores, pois frente à tão grande luta, perderam sua importância. Aprendemos a nós importar com o próximo, a clamar pela vida e valorizá-la. Agora sabemos que nossos planos não são os planos do Pai, e que a vontade soberana que prevalece é Dele. Aprendemos que as intemperanças que causaram tudo isso são na realidade insignificantes, descobrimos que somos regidos pela sabedoria divina e supridos pela força infinita de nosso Deus.

Hoje, olhando para trás, podemos enxergar os passos de Cristo nos carregando e dizendo: "- Já não vos chamo de servos e sim de amigos." Agora o maior valor desta história está guardado pelas mãos onipotentes de nosso Pai, dormindo tranqüila na segurança de nosso lar. E pela misericórdia infinita do Senhor, temos nosso sonho realizado, deixamos de ser egoístas para nos tornar verdadeiros pais.

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