quinta-feira, 28 de maio de 2009

9 meses de você


Hoje estava lembrando do dia da alta da uti. Daquele primeiro dia em casa, sem oxímetro, atenta a cada suspirinho. Você ficou no berço e eu debruçada ali ao lado assistindo sua barriguinha subir e descer. Quanto medo, quanta insegurança. De tanto que quis levá-la daquela UTI, agora não sabia o que fazer com aquele pedacinho de gente de 42 cm.
Sou uma mãe sequelada de uma prematura perfeita.
Nossa história começou de forma diferente, e eu ainda não consegui me recompor de tudo isso. Há 9 meses atrás eu tive alta da maternidade e você, o pedacinho de mim, ficou numa incubadora, aprendendo a lutar pela vida assim como os anjos a ensinavam. Hoje me dedico ao máximo, para tentar suprir a falta que fiz naqueles tenebrosos primeiros dias em que não sabíamos se você estava de passagem ou seria uma constante em nossas vidas.
Quando do horário da visita apertávamos o botão do interfone, pedíamos para entrar, e abria se a porta de vidro que separava nossos mundos. Algumas vezes você estava a uma paramentação de distância, outras a um término de procedimento da sala, e sem saber se era você que estava em procedimento, ou qual procedimento, esperávamos angustiados naquele corredor frio! Naqueles dias em que enfermeiras e médicos controlavam quando e quanto poderíamos ficar contigo. Sim, naqueles dias em que a visita para mim só terminava quando seu oxímetro marcava saturação acima de 97% e as lágrimas corriam quando caia abaixo de 90! Engraçado que o parâmetro era só meu, nada científico ou comprovado, mas era meu coração que pedia assim, e nós orávamos até a saturação subir, aliás o papai te abençoava todo dia, ele de um lado da incubadora e a mamãe do outro, todos os dias, em todas as visitas. E eu cantava para você se acalmar.
Lembro-me do cansaço, de estar disponível para seu leitinho durante todo o eu dia, de correr pela ordenha do leite cru, de comemorar cada ml aumentado no copinho e diminuído na sonda. Como me doía cada hematoma seu, cada punção perdida. Nos bronzeamos em seu banho de luz, nos habituamos aos bipes de cada aparelho e aprendemos a controlar não só os seus como os de seus irmaozinhos de uti. Como eu não gostava quando vc se mexia e a saturação despencava, ou como você chorava perto da hora do leitinho e eu com o peito escorrendo não podia amamentá-la.
Como era boa a horinha do canguru, seu corpinho magricelo junto ao nosso corpo! Lembro também da primeira vez que tentei amantar, você abocanhou, conseguiu sugar e foi com tanta sede ao pote que esqueceu de respirar, você tinha 34 semanas. Lembro do único dia em que precisei ficar longe da uti por algumas horas e me culpei e chorei por estar longe de você, seu papai ficou lá ao seu lado e foi o primeiro baile que você deu nele!
Passado tudo isso, não me apegar seria uma solução de manter emocionalmente saudável. Mas se não o fizesse, meu amor, não teria fibra para aguentar aqueles dias. Por você minha oração moveu montanhas, assim com a bíblia diz que podemos. Por meio das suas dificuldades minha fé se renovou. E é estranho estar revivendo tantos detalhes agora em pensamento, revirando memórias, os olhos chegam a marejar e na garganta fica o nó.
Vivemos juntas uma experiência estranha, pensando agora naquele lugar peço a Deus que visite cada mãe que passa por isso agora. Cada bebê que está lá naquela uti, e em tantas outras espalhadas pelo mundo. Não sei explicar ainda, meu pedacinho, porque tivemos que passar por tudo isso, porque tive que quase perdê-la assim tão cedo e mesmo sabendo que há tantas pessoas que passam por coisas piores que nós duas, eu ainda me sinto sequelada, é uma ferida que ainda não se fechou, talvez seja Deus trazendo a memória o sofrimento humano para que tenhamos compaixão e clamemos pelos nossos semelhantes, ou até mesmo me lembrando de onde é que Ele nos tirou.
Você é muito preciosa, e não sei como será nosso futuro. Hoje eu me esforço para atender todos os teus choros, todas tuas manhas, as necessidades e os caprichos, por quanto tempo não sei, mas quero que saiba que sua vida me faz melhor, que nunca alguém exigiu tanto de mim e foi tão bem acolhido por isso. A amo em sua dependência para que no dia em que for livre para escolher, escolha me amar também.